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Queridos leitores, hoje vamos entrar no complexo mundo da Relação Não Monogâmica e suas consequências.
A busca por satisfazer desejos e expandir fronteiras no amor tem levado muitos casais a considerar a inclusão de uma terceira pessoa no relacionamento. Embora a não-monogamia consensual e o poliamor sejam pautas atuais, é fundamental analisar os custos emocionais e psíquicos que essa decisão impõe ao alicerce da dupla original.
A Psicanálise, ao focar na dinâmica inconsciente dos vínculos, oferece um olhar profundo que evidencia os riscos estruturais dessa transformação.
- A Fragilidade do Pacto: O Quebra-Cabeça Inconsciente
Um relacionamento a dois é construído não apenas sobre juras e acordos verbais, mas sobre uma intrincada teia de pactos inconscientes de lealdade e exclusividade. Na cultura ocidental, a maioria dos casais opera sob um contrato psíquico de monogamia, mesmo que este não seja explicitamente discutido.
A inclusão de um terceiro, exige o Rompimento da Confiança Base, justamente o rompimento dessa fundação invisível. Mesmo que o acordo seja estabelecido conscientemente, o inconsciente pode reagir com angústias primitivas. O risco é que a relação, ao tentar se expandir, acabe implodindo, pois a renegociação da base de confiança é um processo doloroso e frequentemente inalcançável.
Impossível falar sobre a inclusão de um terceiro, sem mencionar O Terror da Substituição. É isso mesmo, a terceira pessoa, ainda que bem-vinda, representa um risco real de substituição no plano psíquico. Um dos parceiros pode, inconscientemente, temer ser descartado ou tornar-se secundário, mobilizando medos profundos de abandono que estavam adormecidos desde a infância.
- O Ciúme e o Reaparecimento da Exclusão Edípica
A Psicanálise trata o ciúme não como um mero defeito moral ou uma falha de “mente aberta”, mas como um sintoma complexo que sinaliza uma crise na identidade e no lugar do sujeito dentro da relação.
A teoria freudiana, baseada no Complexo de Édipo, aponta que a experiência de se sentir excluído da dupla parental é estruturante para o psiquismo.
Quando o casal original (a dupla) se une em torno do terceiro (seja por um desejo, por uma atividade ou pelo afeto), o parceiro que se sente momentaneamente fora da conexão pode reviver a angústia da exclusão edípica.
Vale ressaltar que o maior impacto raramente está no ato sexual, mas na intimidade emocional e na cumplicidade que se estabelecem entre o parceiro e o terceiro. É o medo de que o vínculo afetivo principal seja desvirtuado ou esvaziado, gerando um ressentimento que se acumula no inconsciente e corrói a base do casal.
- A Terceira Pessoa Como Fuga da Crise Conjugal
Um ponto de alerta crucial na clínica psicanalítica é quando o desejo de “abrir a relação” surge como uma tentativa de mascarar ou fugir de problemas internos já existentes na dupla.
Embora não haja uma estatística brasileira consolidada sobre casais que buscam um terceiro para ‘salvar’ o casamento e se separam, o consenso na clínica psicanalítica e de casais é que, na imensa maioria dos casos, o terceiro elemento não é a solução, mas sim o catalisador que acelera o fim de uma relação que já estava em crise.
É comum que casais entediados, em crise sexual ou com dificuldades de comunicação recorram a um terceiro na esperança de “revitalizar” o casamento. Essa tática, contudo, desvia o foco do problema real e podemos dizer que essa é uma Ilusão para a Solução.
A terceira pessoa funciona como um paliativo. Ela pode trazer uma excitação momentânea que, no entanto, impede o casal de confrontar e elaborar o que realmente está faltando na dinâmica a dois. Quando o terceiro elemento sai de cena ou a novidade se esgota, o casal se depara novamente com suas falhas, agora agravadas pelo desgaste e ressentimento gerados pela experiência.
Assimetria de Desejo: Pior ainda, se a abertura é um desejo apenas unilateral, ou seja, apenas de um dos parceiros, e o outro parceiro aceita por medo da perda ou por obrigação, a assimetria destrói a equidade (equilibrio) da relação. O parceiro que cede carrega um alto custo psíquico, alimentando um rancor que, mais cedo ou mais tarde, se tornará veneno para a união.
4. O Desafio da Autenticidade
Para a Psicanálise, a complexidade do relacionamento a três reside na dificuldade de sustentar, simultaneamente, os níveis de afeto, desejo e segurança entre três pessoas, sem que o vínculo principal se fragilize.
O sucesso de qualquer formato relacional depende da capacidade de elaborar a dor, o medo e o ciúme de forma autêntica e corajosa. Quando a inclusão do terceiro é feita como uma forma de evitar o trabalho psíquico profundo que a crise conjugal exige, o resultado é quase sempre a sobrecarga e o colapso do relacionamento que se pretendia preservar.
5.O Caminho para a Solução: O Foco na Dupla e Não no Terceiro
Após a análise dos riscos estruturais, a questão que permanece é: como o casal pode fortalecer seu vínculo para enfrentar a crise ou, se for o caso, gerir a complexidade de incluir um terceiro? A resposta, sob a ótica psicanalítica, está em reverter o olhar, tirando o foco do terceiro e voltando-o para dentro da dupla.
6. A Estatística do Alerta
Pesquisas internacionais corroboram o alerta clínico. Estudos, como os publicados na revista Psychological Science, indicam que casais em relações não-monogâmicas consensuais relatam consistentemente maiores níveis de insegurança e ansiedade quando comparados a casais monogâmicos. O que isso revela? Que a abertura, por si só, não dissolve a sombra do ciúme ou do medo da perda; apenas exige um esforço psíquico muito maior para lidar com eles.
É um consenso entre terapeutas de casal que, quando um terceiro é buscado para “salvar” um casamento em crise, ele quase sempre age como o catalisador que acelera o fim, pois expõe de forma brutal as falhas de comunicação e os ressentimentos que o casal já vinha evitando.
7. A Solução: O Trabalho de Elaboração
A “solução” psicanalítica para um casal que enfrenta a tentação ou o desejo de um terceiro elemento é o trabalho de elaboração.
- Enfrentar a Crise Interna: Antes de considerar qualquer abertura, o casal deve dedicar-se a identificar e resolver a crise que o levou a desejar a mudança. O que está faltando na relação? Qual desejo não está sendo atendido pelo parceiro? A terceira pessoa é uma solução para o desejo ou uma fuga da intimidade?
- A Comunicação dos Medos: A elaboração exige que o casal retome o diálogo, não sobre regras de sexo ou logística, mas sobre o medo, o ciúme e as inseguranças mais profundas. É preciso comunicar a vulnerabilidade: “Eu tenho medo de ser trocado(a)”, “Eu sinto que não sou suficiente”. Se esses sentimentos não forem trabalhados a dois, eles minarão qualquer nova estrutura relacional.
- Reforçar o Núcleo: O casal precisa fazer um investimento prioritário no seu próprio vínculo. Se há energia insuficiente para manter a relação a dois com qualidade, a entrada de um terceiro irá, inevitavelmente, sobrecarregar o sistema até o colapso.
Em última análise, a Psicanálise nos lembra que a saúde do relacionamento não reside em sua forma (monogâmica ou não-monogâmica), mas na qualidade do laço afetivo e na capacidade dos sujeitos de lidar com a falta, o desejo e a angústia da exclusão inerentes à condição humana.
O verdadeiro teste de fogo é o retorno à dupla.
