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Se na semana passada falamos da ilusão do Match Perfeito nos App’s de relacionamentos, essa semana vale a pena falar sobre a transformação dos aplicativos de relacionamento em máquinas de prazer rápido, refletindo a dificuldade da “Geração Zapping” em tolerar a frustração e investir na complexidade do vínculo genuíno.
Por Andressa Eline Coelho, Psicanalista e Especialista em Comportamento Humano.
Na semana passada, discutimos a ilusão do “match perfeito”, analisando a idealização que se forma por trás das telas. Agora, olhamos para a outra ponta dessa dinâmica: a busca incessante e frenética por encontros rápidos, superficiais e meramente satisfatórios. Estamos na era do “fast food” emocional, onde o prazer é valorizado não pela sua qualidade ou profundidade, mas pela sua velocidade e acessibilidade.
Os aplicativos de relacionamento deixaram de ser apenas ferramentas de encontro para se tornarem, para muitos, máquinas de recompensa instantânea. O que a psicanálise e a neurociência nos dizem sobre essa busca por dopamina barata e rápida?
O Swipe como um “Shot” de Dopamina
A chave para entender esse fenômeno está no nosso cérebro. A dopamina não é o neurotransmissor do prazer satisfeito, mas sim da busca, da motivação e da expectativa. Ela nos impulsiona a agir.
Pense na interface de um aplicativo: a cada novo perfil, a cada swipe para a direita, e, principalmente, a cada notificação de um match, nosso cérebro recebe uma dose dessa substância. É o mesmo mecanismo ativado por jogos de azar, redes sociais e até mesmo o vício em compras: a recompensa está no caminho, na expectativa do novo e na validação momentânea.
O problema é que esse prazer é fugaz e de baixa energia. Ele não exige esforço, investimento emocional ou tolerância à frustração. A validação é externa e superficial, mas mesmo assim, vicia. A pessoa se torna dependente não do parceiro, mas do ciclo de busca e recompensa que o app oferece.
Muitos usuários de app’s relatam se sentir “entediados” ou “desinteressados” logo após os primeiros encontros ou assim que a fase da euforia inicial passa. O motivo é simples: o nível de dopamina, que estava alto na busca, cai drasticamente quando se exige o trabalho do vínculo genuíno. Esse esgotamento é tão comum que já é tema de pesquisa, sendo chamado de “Dating App Burnout”.
A Geração Z e o Medo da Complexidade
Chamamos essa geração, condicionada à gratificação instantânea das telas, de “Geração Z”. Assim como trocam de canal (ou de vídeo no TikTok) ao menor sinal de tédio ou complexidade, eles “zappeiam” parceiros.
O outro virou objeto de consumo?
A superficialidade do prazer rápido leva o outro a ser visto como um “objeto parcial” (conceito da psicanalista Melanie Klein). O parceiro não é um sujeito integral e complexo, mas sim uma fonte de satisfação de uma necessidade específica: sexo, companhia para um evento, um flerte. Cumprida a função, o objeto é descartado ou substituído, pois o investimento em sua totalidade é percebido como um fardo.
Se relacionar é um desafio, afinal relacionamentos genuínos exigem tempo, paciência e, sobretudo, tolerância à frustração. É preciso lidar com os defeitos do outro, com a rotina e com o “tédio” da vida real. Para a Geração Z, condicionada ao pico dopamínico, essa fase é insuportável, sendo a troca rápida de parceiro uma fuga dessa exigência emocional.
A Fuga do Vazio – Uma Defesa Contra a Angústia
Do ponto de vista psicanalítico, a busca incessante por prazer rápido é, frequentemente, uma defesa maníaca contra a angústia fundamental: a solidão, o vazio existencial e a necessidade de encarar a própria interioridade.
É muito mais fácil preencher a agenda com encontros superficiais e receber uma dose rápida de validação externa do que enfrentar o desconforto de estar consigo mesmo. O prazer rápido funciona como um paliativo, uma forma de entorpecer temporariamente a angústia, mas jamais a resolve.
Ao trocarmos o vínculo pelo vício, estamos abrindo mão da possibilidade de construir intimidade e significado em troca de conforto e prazer momentâneo.
É Necessário Refletir…
A verdadeira satisfação e o prazer duradouro não vêm da velocidade do match, mas sim da profundidade do investimento.
Se a sua vida de encontros é marcada por picos de euforia seguidos de um rápido e profundo vazio, talvez você não esteja buscando um parceiro, mas sim a próxima dose de dopamina. É hora de se questionar: qual o custo dessa busca incessante? E se o parceiro que você realmente precisa encontrar for a sua própria capacidade de tolerar a frustração e construir algo sólido?
Logo, se a tirania da dopamina nos aprisiona no ciclo vicioso da busca, a psicanálise não oferece uma “técnica de namoro”, mas sim uma inversão de foco: do externo (o match) para o interno (o eu). O prazer rápido é uma fuga; o vínculo exige presença e investimento.
A “solução” para a Geração Z não é encontrar o parceiro certo, mas sim parar de fugir de si mesmo.
Que tal começar com uma desintoxicação Dopamínica, desinstalando app’s, limitando o tempo de consumo de redes sociais, se permitir sentir o “vazio”, investir em si mesmo e curtir sua própria companhia.
