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Quem já passou dos 40 anos deve se lembrar de perder noites de sono para assistir Mike Tyson — o homem que redefiniu o boxe. Com apenas 20 anos, Tyson se tornou o campeão mundial mais jovem da história, unificando os cinturões WBA, WBC e IBF. Suas lutas eram verdadeiros eventos globais: transmissões lotadas, plateias em transe, comentaristas extasiados tentando narrar em tempo real o soco mais rápido do planeta. Tyson era uma mistura de brutalidade e magnetismo — um fenômeno que fez o mundo inteiro voltar os olhos para o ringue.

No Brasil, esse amor pelo boxe ganhou um rosto: Adílson “Maguila” Rodrigues. O peso-pesado paulista se tornou ídolo nacional na década de 1980, símbolo de superação e orgulho. Maguila não chegou a conquistar o cinturão mundial principal, mas marcou época. Suas vitórias lotavam as madrugadas da televisão, com narração vibrante de Luciano do Valle — que transformava cada golpe em poesia esportiva. O Brasil se via representado ali: no soco forte, na persistência, na raça.

O renascimento com o octógono

Nos anos 2000, o amor do brasileiro pela luta renasceu — mas em outro formato. O UFC tomou o lugar do boxe como o espetáculo de combate mais popular. E o Brasil, novamente, teve papel de protagonista.
Vieram Anderson Silva, com sua precisão quase sobrenatural; José Aldo, ídolo do peso-pena; Amanda Nunes, campeã em duas categorias; Vitor Belfort, Minotauro, Shogun, Lyoto Machida — uma geração inteira que transformou o país em potência mundial do MMA.
Em determinado momento, o Brasil chegou a ter quatro campeões simultâneos no UFC, algo impensável para qualquer outra nação fora dos Estados Unidos, e continua presente no topo com Alex ‘Poatan’ Pereira, Alexandre Pantoja e Mackenzie Dern — reforçando a nova era das lutas com bandeira verde-amarela no topo.

O fenômeno Fight Music Show

E foi nessa esteira de nostalgia e espetáculo que surgiu o Fight Music Show, um evento que mistura luta e entretenimento, boxe e cultura pop. A ideia começou bem — muito bem, aliás.
O primeiro card, em 30 de janeiro de 2022, trouxe uma luta histórica: Whindersson Nunes x Acelino “Popó” Freitas.
Whindersson, com milhões de seguidores e uma imagem já consolidada na internet, surpreendeu o país ao demonstrar dedicação e respeito pelo esporte. Ele treinou sério, entrou no ringue preparado e entregou um show. Popó, tetracampeão mundial e ídolo que já estava afastado dos grandes holofotes, encontrou ali um novo caminho — e uma nova geração de fãs.

No discurso pós-luta, Whindersson fez algo raro no mundo das celebridades: usou sua fama para exaltar o adversário. Direcionou a atenção do público para Popó, dizendo que aquele momento era dele — do campeão, do atleta, do exemplo. Foi um gesto simbólico que reergueu a imagem de Popó e abriu espaço para uma sequência de eventos bem-sucedidos. Popó passou então a enfrentar outros nomes conhecidos e virar o rosto do Fight Music Show. Cada edição maior, mais midiática, mais comentada.

O problema: da glória ao exagero

Mas, como tudo que vira espetáculo, veio o ponto de saturação.
Na sétima edição, realizada em 1º de novembro de 2025, no Ginásio do Ibirapuera (SP), o que se viu foi diferente.
O card principal reuniu Davi Brito, ex-campeão do BBB 24, e Sacha Bali, vencedor de “A Fazenda”.
A plateia não foi assistir boxe. Foi assistir treta. De cada dez espectadores, doze queriam ver Davi apanhar — o reflexo de uma fama desgastada por polêmicas pós-reality.

O outro destaque, Xamuel, rapper e influenciador conhecido por brigas e barracos em podcast, também entrou no ringue sob vaias e curiosidade. Ele enfrentou Jhony MC, outro nome das batalhas de rima, mas a luta terminou com vitória unânime de Xamuel — e críticas nas redes sociais.

A técnica foi baixa, os golpes desorganizados, e até a decisão dos jurados virou alvo de questionamento.
O público vibrou, mas os amantes do boxe saíram com uma dúvida incômoda: aquilo ainda era esporte?

Esporte ou espetáculo?

O Fight Music Show ainda é um sucesso de audiência — inclusive no Canal Combate, que sempre viveu de eventos técnicos. Mas a linha entre entretenimento e esporte nunca foi tão tênue.
Os comentaristas tentam analisar combinações de golpes, mas o que acontece no ringue muitas vezes parece um roteiro de reality show. E, aos poucos, o que nasceu como uma ponte entre o boxe clássico e o público digital se transforma em um circo de vaidades com luvas.

O tempo, como sempre, vai dar o veredito. Mas talvez seja hora de lembrar que o boxe nasceu como arte, disciplina e honra. E que o público pode até rir, mas o esporte, esse, merece ser levado a sério.

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