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Olá queridos leitores, o tema dessa semana é o complexo mundo da traição e suas consequências, mas vou te ajudar a entender esse universo e como isso pode ajudar no seu relacionamento.
A traição é um terremoto emocional que abala os alicerces mais profundos de um relacionamento. E ela não se limita à infidelidade sexual; é qualquer quebra de confiança nos acordos implícitos ou explícitos do casal, podendo ser financeira, emocional, exposição de segredos íntimos, troca de mensagens nas redes sociais, ou qualquer ato que desrespeite a lealdade mútua.
Quando um casal decide seguir adiante, o desafio não é apenas “perdoar”, mas sim, reconstruir a confiança em um território emocional devastado. Este é o verdadeiro recomeço, um caminho longo que exige dedicação, autoconhecimento e, muitas vezes, análise profunda.
A Complexidade da Traição: Além do Ato
Para iniciar a cura, é essencial entender que a traição raramente é apenas sobre o ato em si. Ela é um sintoma de algo mais profundo, que pode residir na dinâmica da relação ou nas questões individuais de quem trai.
- Valide a Dor: O primeiro passo para quem foi traído é reconhecer e validar o luto pela perda da relação idealizada e pela quebra de segurança. A raiva, a tristeza e o medo são reações normais.
- Assuma a Responsabilidade: Quem traiu precisa, com humildade e sem se justificar, assumir a total responsabilidade pelo dano, dedicando-se a ouvir e acolher a dor do parceiro, sem responsabilizar o outro pela sua falha.
A Necessidade de Saber: A Prisão Mental do Parceiro Traído e a Analise Psicanalítica
A fase inicial após a descoberta da traição é marcada por um turbilhão emocional. Para quem foi traído, o ato não é apenas um evento passado; torna-se uma obsessão que domina o presente. O parceiro inicia uma busca incessante por detalhes, cruzando informações, revivendo mentalmente os momentos da traição e, invariavelmente, criando as cenas em sua cabeça, o que intensifica: mais sofrimento.
Essa necessidade de saber, que parece ser um caminho para a compreensão, muitas vezes se transforma em uma forma de masoquismo psíquico.
A psicanálise oferece um olhar profundo sobre essa dinâmica, ligando-a a mecanismos de defesa e à tentativa do psiquismo de lidar com o trauma, que são:
- A Quebra do Narcisismo e a Tentativa de Domínio
O ato da traição representa uma ferida narcísica profunda. A pessoa traída confronta a dolorosa realidade de que não tinha controle sobre a relação ou sobre as ações do parceiro, assim, a psique tenta lidar com esse trauma revivendo-o através da busca por detalhes. Ao obter informações e “montar o quebra-cabeça”, a pessoa tem a ilusão de estar dominando a situação traumática. O sofrimento de imaginar a cena é, paradoxalmente, uma forma de tentar controlar o descontrole emocional causado pela descoberta.
E ainda, existe o sentimento do engano, quando o parceiro traído sente que o mundo que ele conhecia (e confiava) era falso. A busca por fatos concretos é uma tentativa de encontrar a “verdade” por trás da mentira, tentando distinguir o que era real e o que era ilusório no passado do casal.
- A Compulsão à Repetição (Freud)
Segundo Freud, o psiquismo tende a repetir experiências traumáticas — a chamada compulsão à repetição — na tentativa de dominar e elaborar a dor que, na primeira vez, foi avassaladora.
A pessoa traída cria mentalmente cenas e busca por detalhes funciona com essa repetição. Ao invés de deixar o trauma para trás, a pessoa ao reproduz repetidamente em sua mente, na esperança de que, ao revivê-lo (com mais informação), ela consiga metabolizar a angústia.
O problema é que a imaginação é sempre mais cruel do que a realidade. Quanto mais a pessoa imagina, mais ela cria cenários de dor e humilhação, sem jamais alcançar a satisfação ou o domínio desejado. A ansiedade alimenta a busca por detalhes, e os detalhes alimentam a ansiedade.
A Forma Saudável de Lidar com a Necessidade de Saber
É transformá-lo de uma busca por detalhes autodestrutivos em uma busca por significado e futuro.
É essencial que o casal defina, com a ajuda de um terapeuta (de preferência), quais informações são realmente necessárias para a reconstrução e quais são meramente destrutivas.
- O Que Perguntar: Concentre-se nas perguntas sobre o “porquê” da traição e o que faltava na relação, em vez de focar nos detalhes íntimos do ato. Por exemplo: O que aquela relação lhe ofereceu que não encontrava em nosso casamento?
- O Que Evitar: Evite perguntas sobre detalhes sexuais, locais ou frequência. Esses detalhes não ajudam na reconstrução e apenas fornecem material para a mente criar imagens traumáticas (a prisão mental).
O Desafio do Perdão: Entre a Vigilância e a Punição
Na fase de reconstrução, surgem dois grandes obstáculos que, se não forem administrados, podem levar ao fracasso do recomeço: a vigilância excessiva e a punição constante.
- A Vigilância Excessiva: A Necessidade de Controle e a Análise Psicanalítica
Quem foi traído frequentemente desenvolve uma necessidade de fiscalização (checar mensagens, ligações, exigir prestação de contas de tempo, localização, chamadas de vídeo).
Mas a Psicanalise nos revela que a vigilância excessiva é uma tentativa desesperada de restaurar a onipotência ferida. O ego da pessoa traída, que se sente vulnerável e incapaz de prever a dor, tenta compensar essa falha de segurança tentando controlar o outro e o futuro. Essa fiscalização é, na verdade, uma busca incessante por uma certeza que não existe em nenhuma relação humana: a garantia absoluta de que não haverá mais dor.
E há um risco nessa vigilância excessiva, pois muito embora a transparência seja vital no início, o controle extremo impede a verdadeira entrega e a reconstrução da confiança genuína, transformando o amor em um inquérito.
- A Punição Constante: O Ressentimento como Arma – e a Análise Psicanalítica
Muitas vezes, a pessoa traída afirma ter perdoado e escolhe permanecer no relacionamento, mas usa o erro do parceiro (a) como munição em toda discussão, punindo-o de forma contínua, mesmo que de maneira sutil.
Esse padrão reflete uma falha no processo de luto e na elaboração do perdão. A punição constante, ou o ato de “jogar na cara”, serve para alimentar uma satisfação sádica e manter a dívida do outro – uma forma inconsciente de manter o poder na relação. Quem pune não perdoou de verdade; apenas utilizou a culpa do parceiro como moeda de troca, aprisionando-o na posição de devedor eterno.
Quem traiu, inicialmente movido pela culpa, pode aceitar a punição. Contudo, essa dinâmica cria um fardo insustentável. Com o tempo, o traidor se sente asfixiado pela dívida impagável, o ressentimento de ambos cresce, e o relacionamento se torna um ciclo destrutivo de culpa e castigo, fadado ao término.
Perdão e Recomeço: As Bases para a Reconstrução
Reconstruir a confiança é um processo não linear que exige esforço de ambos.
Para o Casal é importante:
- Estabelecer a Transparência Genuína: Quem traiu precisa demonstrar, através de ações consistentes e tempo, um compromisso inegociável com a honestidade. Isso significa estar disposto a responder perguntas difíceis sem se irritar, por um período determinado.
- Redefinir os Acordos: A crise da traição é a oportunidade de o casal reavaliar e renegociar os acordos da relação. O que falhou? O que era esperado e não foi entregue? A honestidade brutal é necessária para criar um novo contrato mais realista e funcional.
- Terapia de Casal: Um profissional pode oferecer um espaço neutro e seguro para mediar o diálogo, ajudar a elaborar as emoções e a identificar os padrões disfuncionais que levaram à quebra de confiança.
Para Quem Perdoa:
- O Verdadeiro Perdão é para Si Mesmo: O perdão não é um presente para o traidor, muito menos a concordância com a falha cometida, mas uma libertação da dor, do ressentimento e da posição de vítima. É aceitar o risco inerente a qualquer relação humana e decidir não deixar que a amargura o consuma.
- Troque a Vigilância pelo Foco Mútuo: À medida que o tempo passa, o foco deve sair da investigação do passado e do controle do presente, e voltar-se para a criação de novas e positivas experiências em conjunto.
Para Quem Traiu:
- Paciência e Consistência: A confiança é recuperada em pequenos atos de honestidade, não em grandes promessas. É necessário aceitar o ritmo do parceiro e compreender que o processo é longo e terá recaídas emocionais.
- Abertura ao Entendimento: Buscar entender a si mesmo e o que o levou à traição (baixa autoestima, insatisfação, busca por novidade, etc.) é essencial para garantir que o erro não se repita.
A traição pode ser o fim de um relacionamento, mas também pode ser a crise que força o casal a amadurecer e a construir um vínculo mais profundo e honesto, baseado não na ilusão da segurança total, mas na aceitação dos riscos e no compromisso mútuo. O recomeço não é restaurar o que era, mas sim, criar algo novo e mais resiliente.
