Parlamentares dos EUA criticam sanções e alertam para riscos de guerra comercial e aproximação do Brasil com a China

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Onze senadores democratas dos Estados Unidos criticaram duramente a decisão do ex-presidente Donald Trump de impor tarifas de 50% sobre importações vindas do Brasil. Em uma carta enviada à Casa Branca na quinta-feira (24), os parlamentares classificaram a medida como um “claro abuso de poder” e acusaram o republicano de utilizar a economia americana para interferir em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A reação veio após Trump vincular publicamente as tarifas à situação jurídica de Bolsonaro, que é investigado no Brasil por tentativa de golpe de Estado. Os parlamentares afirmam que essa conduta representa uma ameaça ao sistema legal de uma nação soberana e pode gerar um precedente perigoso nas relações internacionais.
A carta ressalta que os Estados Unidos não têm déficit comercial com o Brasil desde 2007 e que, em 2024, registraram superávit de US$ 7,4 bilhões, o que enfraquece o argumento econômico usado por Trump para justificar as tarifas. Os senadores também apontam que uma retaliação brasileira poderá encarecer produtos e prejudicar famílias e empresas americanas. Somente com café, os EUA importam anualmente cerca de US$ 2 bilhões do Brasil, e o comércio bilateral sustenta cerca de 130 mil empregos no território americano.
Outro ponto destacado é a preocupação estratégica com o aumento da influência chinesa na América Latina. Segundo os democratas, uma guerra comercial com o Brasil pode acelerar a aproximação entre o país sul-americano e a China, em um momento em que os Estados Unidos tentam conter o avanço da potência asiática na região.
O documento também menciona as sanções de visto impostas por Trump a autoridades judiciais brasileiras envolvidas no caso Bolsonaro, interpretadas como mais um sinal de tentativa de ingerência nos assuntos internos do Brasil.
Nesta sexta-feira (25), uma comitiva de senadores brasileiros desembarca nos Estados Unidos com o objetivo de abrir um canal de negociações sobre o pacote tarifário. Contudo, segundo fontes próximas ao governo brasileiro, Trump não autorizou a Casa Branca a estabelecer qualquer diálogo com a delegação.
A tensão diplomática se agravou ainda mais após o encarregado de negócios da embaixada americana em Brasília manifestar interesse em minerais estratégicos do Brasil. Em resposta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um discurso enfático defendendo a soberania nacional sobre os recursos naturais do país.

Confira a íntegra da carta enviada pelos senadores democratas ao ex-presidente Donald Trump:
“Prezado Presidente Trump,
Escrevemos para expressar sérias preocupações sobre o claro abuso de poder presente em sua recente ameaça de iniciar uma guerra comercial com o Brasil. Os Estados Unidos e o Brasil têm questões comerciais legítimas que devem ser discutidas e negociadas. No entanto, a ameaça de tarifas feita por sua administração claramente não se refere a isso. Tampouco se trata de um déficit comercial bilateral, já que os EUA tiveram um superávit de US$ 7,4 bilhões em bens com o Brasil em 2024 e não registram déficit comercial com o país desde 2007.
Na verdade — como o senhor afirma explicitamente em sua carta ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva — a ameaça de impor tarifas de 50% sobre todas as importações do Brasil e a ordem para que o Representante de Comércio dos EUA inicie uma investigação sob a Seção 301 da Lei de Comércio de 1974 têm como principal objetivo forçar o sistema judiciário independente do Brasil a interromper a acusação contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
Interferir no sistema legal de uma nação soberana estabelece um precedente perigoso, provoca uma guerra comercial desnecessária e coloca cidadãos e empresas americanas em risco de retaliação. O Sr. Bolsonaro é um cidadão brasileiro sendo processado nos tribunais brasileiros por ações alegadamente cometidas sob jurisdição nacional. Ele é acusado de tentar minar os resultados de uma eleição democrática no Brasil e de planejar um golpe de Estado.
Usar todo o peso da economia americana para interferir nesses processos em favor de um amigo é um grave abuso de poder, enfraquece a influência dos EUA no Brasil e pode prejudicar nossos interesses mais amplos na região. O anúncio de sua administração em 18 de julho de 2025, de sanções de visto contra autoridades judiciais brasileiras envolvidas no caso do Sr. Bolsonaro, indica — mais uma vez — a disposição de sua administração em priorizar sua agenda pessoal em detrimento dos interesses do povo americano.
Suas ações aumentariam os custos para famílias e empresas americanas. Os americanos importam mais de US$ 40 bilhões por ano do Brasil, incluindo quase US$ 2 bilhões em café. O comércio entre EUA e Brasil sustenta cerca de 130 mil empregos nos Estados Unidos, que estão em risco diante da ameaça de tarifas elevadas. O Brasil também prometeu retaliar, e o senhor prometeu retaliar em resposta — o que significa que os exportadores americanos sofrerão e os impostos sobre importações para os americanos aumentarão além do nível de 50% que o senhor ameaçou.
Uma guerra comercial com o Brasil também aproximaria o país da República Popular da China (RPC) em um momento em que os EUA precisam combater agressivamente a influência chinesa na América Latina. Empresas estatais e ligadas ao Estado chinês estão investindo fortemente no Brasil, incluindo vários projetos portuários em andamento. Recentemente, o China State Railway Group assinou um Memorando de Entendimento para estudar um projeto ferroviário transcontinental.
Essas considerações não são exclusivas do Brasil. Em toda a América Latina, a RPC está trabalhando para ampliar sua influência por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota. Estamos preocupados que suas ações para minar um sistema judicial independente apenas aumentem o ceticismo em relação à influência americana na região e deem mais credibilidade à agenda de autoridades e empresas estatais chinesas. A mesma tendência também está ocorrendo no Leste e Sudeste Asiático.
Os objetivos principais dos EUA na América Latina devem ser o fortalecimento de relações econômicas mutuamente benéficas, a promoção de eleições democráticas livres e justas e o combate à influência da RPC. Instamos o senhor a reconsiderar suas ações e a priorizar os interesses econômicos dos americanos, que desejam previsibilidade — não outra guerra comercial”.
Atenciosamente,
Tim Kaine, Senador dos Estados Unidos
Jeanne Shaheen, Senadora dos Estados Unidos
Adam B. Schiff, Senador dos Estados Unidos
Richard J. Durbin, Senador dos Estados Unidos
Peter Welch, Senador dos Estados Unidos
Kirsten Gillibrand, Senadora dos Estados Unidos
Mark R. Warner, Senador dos Estados Unidos
Catherine Cortez Masto, Senadora dos Estados Unidos
Michael F. Bennet, Senador dos Estados Unidos
Jacky Rosen, Senadora dos Estados Unidos
Raphael Warnock, Senador dos Estados Unidos