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Um “eu te amo” bonito, simples e sincero
Você acha que uma pessoa que mente pra outra dizendo “eu te amo” deve morrer?
A crônica Sobre o Amor, de Ferreira Gullar, começa assim:
“Houve uma época em que eu pensava que as pessoas deviam ter um gatilho na garganta: quando pronunciassem – eu te amo – mentindo, o gatilho disparava e elas explodiam.”
E por que eu lembro desse tal gatilho do poeta amazonense?
Pelo caminho mais improvável. É noite de sexta-feira. Volto de uma das múltiplas confraternizações deste dezembro que está começando. Cansado da semana, sonho com a cama. Meu carro está estacionado na frente de uma pizzaria bacana. Não chego a entrar no automóvel. Uma amiga, na rua, me convida para uma taça de vinho. na comemoração do aniversário dela, na pizzaria. O convite vem completamente impregnado de gentileza e simpatia… Irresistível. E o vinho, rosé, é previsivelmente muito bom. A aniversariante navega bem no reino dos sommeliers.
Fico conhecendo, na minha frente na mesa, um jovem casal de namorados. Converso com eles. Ela, 33, conhece minha filha e meu filho. Ele, 37 (metade da minha idade) tem formação em arquitetura. Um e outro tocam negócios da família: ela, uma gráfica; ele, um restaurante.
Na conversa, surge a história do começo do namoro deles, há um ano, a maneira como ele se declarou pra ela. E a revelação é deliciosa. Era dezembro. Eles se conheceram e conversaram num desses encontros típicos do mês. Dia 10. Ele vinha de uma ruptura recente. Ela, de bem com vida. Encantadora. Brilho nos olhos. Na hora de ir embora, ele acompanhou a moça até o prédio em que ela mora, bem pertinho dali, despediu-se e voltou pra casa.
Depois de exatas 3 semanas, às cinco da manhã do dia 31 de dezembro, ele manda uma mensagem para o WhatsApp dela. Diz que desde aquela conversa, durante todos aqueles dias, não conseguia parar de pensar nela.
Nesse ponto da revelação, eu peço a ele licença para usar essa declaração no futuro. É bonita demais. É simples demais. É sincera demais. E prometo dar o crédito, como faço invariavelmente quando uso alguma frase de alguém.
E aí lembro do Ferreira Gullar e da crônica Sobre o Amor, do poeta amazonense.
Conto da crônica, dou o crédito ao poeta e explico imediatamente que só vou usar essa declaração, se ela se constituir em verdade cristalina, ou seja, se um dia eu estiver sentindo de novo por alguma mulher esse encantamento absoluto que faz um ser humano ficar mergulhado o tempo todo na lembrança de outro. E que é uma das melhores coisas da vida.
Aprendi com essa geração deles, a mesma dos meus filhos, o valor desse compromisso, dessa entrega, dessa fidelidade, dessa sinceridade absoluta no amor.
Tem uma outra história dessa noite de sexta-feira, dessa comemoração. Outra história de aprendizado, mas, essa, de uma geração que já passou, uma geração que educou os filhos com menos conhecimentos de psicologia, mas com mais firmeza e simplicidade. Fica para um próximo texto desta coluna.
Este chega ao fim com o aprendizado desse “eu te amo” bonito, simples e sincero.
E com um desejo secreto de que a vida ainda me reserve, pelo menos uma vez, sentir por uma mulher esse encantamento absoluto que faz uma pessoa ficar mergulhada o tempo todo na lembrança de outra.
Então, com certeza, vou usar essa declaração. E dar o crédito.
