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O Fantasma do Passado: Por Que Comparamos Nosso Amor Atual com Relacionamentos Anteriores?
Queridos leitores, essa semana temos mais um assunto complexo, a tendência humana de revisitar o passado é notável, mas quando essa prática se infiltra na vida amorosa, transformando a relação atual em um eterno campo de comparação com parceiros e experiências anteriores, ela se torna um veneno sutil. E na coluna de hoje, vamos explorar as razões profundas desse comportamento e o impacto destrutivo que ele tem no relacionamento presente.
A Mente Enganosa: O Perigo da Memória Seletiva
A maneira como nossa mente processa o passado amoroso é profundamente distorcida. Nossa mente nos engana, fazendo-nos crer que a felicidade estava concentrada naquilo que não temos mais. E eu aposto que você também já pensou isso!
- O Filtro da Nostalgia e o Viés de Positividade
Com o tempo, o cérebro tende a suavizar as arestas, os conflitos e as dores dos relacionamentos passados. É um mecanismo de defesa que nos protege da sobrecarga emocional. O resultado? As brigas, a incompatibilidade e a razão do término são obscurecidas pela nossa mente, enquanto os momentos de prazer, as viagens e os gestos de carinho são hipervalorizados e realçados.
- A Ilusão do “Melhor”
Essa memória seletiva cria a ilusão de que o(a) “ex” era, de fato, a pessoa perfeita ou o relacionamento ideal. A comparação não é justa, pois ela coloca o parceiro(a) atual, com todas as suas falhas reais e presentes, contra um fantasma idealizado construído pela nossa própria mente. O resultado é a constante sensação de que “algo está faltando” no amor presente.
E temos um ponto de atenção… O inimigo invisível frequentemente não é o ex, mas sim a idealização que projetamos sobre o passado para evitar lidar com os desafios da relação atual ou com a nossa própria insatisfação.
O Custo da Comparação e a Cegueira para a Felicidade Presente
A comparação constante e a fixação no passado impõem um custo altíssimo: elas nos tornam cegos para a realidade presente e fecham as portas para a plenitude futura.
Viver no Passado é Impedir a Felicidade do Futuro, é isso mesmo… A mente é como um rádio: se ela está sintonizada na frequência do ontem, ela não consegue captar os sinais do hoje. Ao idealizar o que se foi, negamos a chance de construir novas memórias e afetos com a pessoa que está ao nosso lado. É um auto-sabotamento do potencial de felicidade.
O fechar dos Olhos para o Alcance Atual… O parceiro atual, com suas qualidades autênticas, seus gestos reais de carinho e sua presença concreta, está ao nosso alcance. Contudo, a lente da comparação faz com que vejamos suas virtudes como insuficientes e seus defeitos como gigantescos. Estamos, literalmente, fechando os olhos para algo bom por estarmos obcecados com a miragem do que poderia ter sido.
A Implicação para o Outro… Para o parceiro atual, ser constantemente comparado é ser diminuído e desvalorizado. Ele(a) percebe que não está sendo amado e visto por quem ele é, mas como uma substituição ou um mero “ator” no palco de um drama antigo. Isso sem duvida acaba com a autoestima e a vontade de investir na relação.
Constantemente, podemos ser pegos falando frases, mesmo que, ditas sem a intenção de ferir, carregam o peso do passado e invalidam o parceiro presente, como por exemplo:
- “O meu ex (A minha ex) fazia muito mais questão de me surpreender.”
- “Eu sei que você se esforça, mas a gente não tem a mesma química que eu tinha no passado.”
- “Quando eu estava com o(a) outro(a), eu nunca me sentia tão sozinho(a) assim.”
- “Você devia ser mais aventureiro(a), como (o nome do(a) ex.).”
Esses são apenas alguns exemplos de frases que podem criam um abismo, forçando o parceiro atual a competir com uma memória idealizada, um jogo onde ele sempre perderá.
A Visão Psicanalítica: O Passado como Impedimento à Castração Simbólica
Para a Psicanálise, a fixação no passado amoroso não é apenas falta de maturidade, mas um complexo enredamento do sujeito em fases ou objetos que ainda não foram simbolicamente “largados”.
- A Fixação na Fantasia do Objeto Perdido
Na perspectiva psicanalítica, o parceiro idealizado do passado (ou mesmo uma fantasia de parceiro) pode funcionar como um “Objeto A” (no sentido lacaniano – métodos e conceitos de Jacques Lacan – que estudou e expandiu as ideias de Freud), algo que, na fantasia, prometia uma completa satisfação (o gozo pleno) e que, portanto, é irrenunciável.
- O Mito da Totalidade e a Resistência à Castração: O sujeito insatisfeito no presente pode estar buscando a ilusão de um tempo ou pessoa em que acreditava ser completo. O termo “castração” na Psicanálise refere-se à aceitação da falta, do limite e da impossibilidade de ter a satisfação absoluta. A comparação constante serve para afirmar que o parceiro atual “falha” em preencher o vazio que a própria vida impõe. A idealização do passado é, portanto, uma resistência em aceitar a castração simbólica.
- Repetição e a Neurose de Destino
O psicanalista Sigmund Freud descreveu a compulsão à repetição, um impulso inconsciente de reviver experiências passadas. Essa compulsão, se não analisada, cria a chamada “Neurose de Destino”, o indivíduo sente que a vida está sempre repetindo o mesmo roteiro amoroso, sem conseguir avançar para novas formas de vínculo.
- Repetição de Padrões: A comparação impede a criação de um novo padrão. O sujeito fica preso a um padrão relacional familiar (mesmo que disfuncional), usando o parceiro atual como um mero ator no palco de um drama antigo. A crítica baseada na comparação é, muitas vezes, uma maneira de manter a dinâmica psíquica interna do sujeito em jogo, em vez de permitir o surgimento de um novo e autêntico relacionamento.
O Compromisso com o Agora
A chave para libertar-se dessa armadilha é um movimento psíquico de renúncia e de investimento no real. É preciso aceitar que o passado não existe mais, que a idealização é uma miragem e que o amor presente exige a aceitação da imperfeição e da singularidade do outro.
Ao parar de comparar, abrimos a possibilidade para o verdadeiro encontro amoroso, que se constrói na realidade cotidiana e não na névoa da memória. Afinal de contas, a comparação não é justa com você, muito menos com seu atual parceiro(a)!
