Gestores veem risco para receitas locais e autonomia financeira com novo modelo que começa a ser testado em 2026

Começa a partir do próximo ano o período de transição da Reforma Tributária que vai promover mudanças estruturais na forma como bens e serviços são tributados no país. O novo modelo foi implementado por Emenda Constitucional, nº 132, aprovada em 2023 e regulamentada, em parte, pela Lei Complementar Federal, nº 214, de janeiro de 2025. O Congresso Nacional ainda está debruçado na matéria em tramitação por meio do Projeto de Lei Complementar nº 108/2025.
Enquanto isso, estados e municípios se dedicam ao ofício de estudar o novo modelo tributário e a se preparar para fazer os investimentos em softwares que serão necessários para a operação dos tributos. No ano que vem entra em cena, em fase de teste, a Contribuição Sobre Bens e Serviços (CBS) com uma alíquota simbólica de 1%. Os testes não irão promover impacto financeiro.
Além da CBS o novo modelo cria também o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) que vai substituir o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o ISSQN (Imposto Sobre Serviço de Qualquer Natureza). Esta substituição entra em vigor a partir de 2029. E é aqui que repousa a maior dor de cabeça que os gestores municipais estão tendo para entender e aceitar a reforma tributária.
Conforme explicou o secretário adjunto da Secretaria Municipal da Fazenda, Nilson Grossi, o Imposto Sobre Bens e Serviços terá legislação única em nível nacional, alíquotas uniformes e arrecadação centralizada. A arrecadação do IBS será feita por um sistema nacional, que depois repartirá os recursos entre União, Estados e Municípios. “A forma como essa partilha será feita ainda não está totalmente definida, criando forte apreensão entre prefeitos”, avaliou.
Outra mudança é que o IBS será recolhido no destino, ou seja, no local onde ocorre o consumo, e não mais na origem. Hoje, o ISSQN é uma das maiores fontes de receita própria dos municípios, especialmente nas cidades médias e grandes, sustentando áreas vitais como saúde, educação e infraestrutura. Em 2024, a arrecadação do ISSQN representou 8,39% sobre a receita do município de Uberaba, enquanto o ICMS representou 23,78% da receita.
Para muitos gestores, isso representa perda de poder de gestão financeira e risco para a saúde das contas municipais. De acordo com a prefeita Elisa Araújo, o ponto que mais preocupa é esse período de transição. “Pode haver uma insegurança jurídica e arrecadatória dos municípios. O ISS que é do município deixa de existir e vai passar a ser arrecado pelo comitê gestor e a forma de distribuição também será feita por esse comitê. Por isso há uma grande insegurança”, analisou a prefeita.
A perda iminente de flexibilidade fiscal vai impedir que os municípios concedam incentivos fiscais, uma política comum na administração pública para atrair empresas estimular setores econômicos. “Mesmo ajustes na cota-parte municipal do IBS dependerão de regras federais, restringindo a capacidade dos gestores municipais de moldar a política tributária às características de suas cidades”, explicou Grossi.
Na análise de Grossi, municípios que hoje concentram grandes empresas prestadoras de serviços, essa mudança pode representar perda considerável de receita. Cidades cuja economia está baseada em produção industrial, exportação ou atividades agrícolas podem ter perdas expressivas, já que o IBS não ficará mais no local da produção, mas seguirá para o município onde ocorre o consumo.
Municípios agrícolas, por exemplo, podem perder arrecadação significativa, pois hoje se beneficiam do ICMS gerado pela produção local, que no novo sistema será recolhido e redistribuído de acordo com o destino dos produtos.
“A reforma tributária também impõe aos municípios o desafio de redefinir suas estratégias de desenvolvimento econômico. Se antes a prioridade era atrair empresas, agora será imprescindível implementar ações voltadas a estimular o consumo local, que passará a ser determinante para a composição da arrecadação no novo modelo fiscal”, concluiu.