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A presença de cocaína na baía de Santos (SP) deixou de ser um fenômeno pontual e passou a representar uma ameaça concreta ao ecossistema marinho da região. A constatação é do pesquisador Camilo Dias Seabra, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que classifica a droga como um contaminante emergente alarmante, presente não só na água, mas também em sedimentos e organismos marinhos, como ostras, mexilhões e peixes.
O alerta foi feito durante a FAPESP Week Illinois, realizada em abril, nos Estados Unidos. Segundo Seabra, os frutos do mar da região podem estar contaminados por cocaína em níveis elevados, com risco potencial para o meio ambiente e para a saúde pública.
Desde 2017, o grupo da Unifesp, em parceria com a Universidade Santa Cecília (Unisanta), detecta a droga nas águas da região. Inicialmente, acreditava-se que a contaminação estivesse ligada ao aumento de turistas durante o carnaval, mas análises sazonais indicaram que a presença da cocaína é constante ao longo do ano.
Em laboratório, os pesquisadores verificaram que a bioacumulação da substância em mexilhões do tipo Perna perna pode ser até mil vezes maior que sua concentração na água. A exposição afeta neurotransmissores como dopamina e serotonina, com impactos potenciais no sistema reprodutivo dos animais.
Estudos com enguias mostraram que a droga interfere na maturação dos óvulos e na produção hormonal, atuando como desregulador endócrino. Já em ostras, o metabólito benzoilecgonina causou efeitos citotóxicos e genotóxicos, indicando risco ecológico elevado.
Pesquisas geoquímicas com sedimentos indicam que a cocaína está presente na região desde a década de 1930, com aumento expressivo nas últimas décadas, impulsionado por fatores como o tráfico internacional de drogas pelo Porto de Santos, o crescimento no consumo de entorpecentes e a ausência de tratamento adequado de esgoto.
“A situação é complexa e envolve questões ambientais, de saúde e de segurança pública”, afirmou Seabra. O grupo da Unifesp pretende iniciar um programa epidemiológico baseado em águas residuais para monitorar o consumo de drogas na região.
Além da cocaína, os cientistas estudam os impactos do pó preto — material particulado atmosférico derivado da atividade metalúrgica, rico em metais pesados e elementos raros com toxicidade ainda pouco compreendida. Os primeiros resultados apontam efeitos significativos em invertebrados marinhos e peixes, além da possibilidade de bioacumulação no pescado.
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb) informou, em nota, que realiza monitoramento sistemático da qualidade das águas costeiras, inclusive com ensaios ecotoxicológicos. Segundo a companhia, os níveis de cocaína encontrados pela Unifesp, na ocasião, não representariam riscos a banhistas ou efeitos tóxicos diretos em mexilhões. Os relatórios da Cetesb estão disponíveis para consulta pública.
Estudos complementares, conduzidos por pesquisadores da USP, Unicamp e Universidade de Illinois (EUA), indicam que a contaminação química na Baixada Santista se intensificou a partir das décadas de 1940 e 1950, com a instalação do polo industrial. Para o professor César de Castro Martins, do Instituto Oceanográfico da USP, esse período marca o início do Antropoceno — a era geológica dominada pela ação humana.