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Do truque de ilusionista ao medo psicológico
O cinema de terror é um espelho da humanidade, reflete nossos medos mais íntimos, nossas ansiedades sociais e o fascínio pelo desconhecido. Desde os primeiros filmes mudos até as produções modernas cheias de efeitos visuais e subtextos psicológicos, o gênero passou por transformações profundas, adaptando-se aos tempos e às tecnologias.
O Início: O Medo como Espetáculo (1890–1930)
Os primórdios do cinema de terror surgiram junto com o próprio cinema. No fim do século XIX, Georges Méliès, com O Castelo do Demônio (1896), apresentou o primeiro curta de terror da história, ainda que de forma cômica e teatral.
Já nas décadas seguintes, o expressionismo alemão trouxe o medo para outro patamar. Obras como O Gabinete do Dr. Caligari (1920) e Nosferatu (1922) exploraram sombras, silhuetas distorcidas e temas como a loucura e o sobrenatural, elementos que definiriam o gênero por décadas.
A Era dos Monstros (1930–1950)
Com o som chegando ao cinema, os monstros ganharam voz e rugido. A Universal Pictures se tornou o lar dos ícones clássicos do horror: Drácula (1931), Frankenstein (1931), A Múmia (1932) e O Lobisomem (1941).
Esses filmes definiram arquétipos e introduziram o horror como uma forma de entretenimento popular. O medo era palpável, envolto em mistério e atmosfera gótica. Personagens e atores que se tornaram Cult como o ator Béla Lugosi, Vincent Price, Boris Karloff, Christopher Lee e outros notáveis como Peter Lorre e Peter Cushing.
A Explosão da Violência e da Psicologia (1950–1970)
Após a Segunda Guerra Mundial, o terror começou a refletir as angústias da modernidade. Surgiram os filmes de ficção científica e monstros atômicos, como Godzilla (1954), espelhando o medo da radiação e da destruição nuclear.
Virada psicológica: Em 1960, Psicose redefine o gênero ao deslocar o horror para o cotidiano: um motel de beira de estrada, um filho devoto à mãe, um assassinato em chuveiro. O medo deixa de ser apenas “monstruoso” e passa a habitar pessoas comuns e espaços comuns — um caminho sem volta.
O Terror do Cotidiano (1970–1980)
Os anos 70 e 80 foram uma era de ouro. O medo deixou os castelos e foi para as ruas e casas comuns. Filmes como O Exorcista (1973), Halloween (1978), Sexta-Feira 13 (1980), A Hora do Pesadelo (1984) e O ILUMINADO 1980 de Kubrick, na obra de Stephen King, popularizaram o terror doméstico.
Essas obras mostraram que o horror podia ser simples, uma máscara, uma faca, uma casa escura e ainda assim profundamente perturbador.
Terror e as profundezas do suspense (1990–2010)
Nos anos 90, o gênero entrou em um ciclo de autocrítica e reinvenção. Pânico (1996) brincou com os clichês dos filmes de terror, enquanto O Sexto Sentido (1999) e O Silêncio dos Inocentes (1991) trouxeram de volta o suspense psicológico.
Seven – Os Sete Crimes Capitais 1995, David Fincher imprime a psicopatia de um assassino em série e seu modus operandi baseado nos sete pecados capitais: gula; cobiça; preguiça; luxúria; vaidade; inveja e ira. Um filme com uma reviravolta psicológica que arranca o telespectador do conforto da terceira pessoa.
Já nos anos 2000, o terror extremo dominou as telas com produções como Jogos Mortais (2004) e O Albergue (2005).
O renascimento do Terror (2010 até hoje)
Nos últimos anos, o cinema de terror passou por uma notável transformação, a velocidade de eventos dentro da história, a tecnologia digital realista e a experiência sonora, agregaram peso nas salas de exibição.
Inúmeros sucessos de bilheteria se destacaram pela originalidade e intensidade, A Bruxa (2015) e Hereditário (2018) . Outros filmes aclamados são O Babadook (2014) e a trilogia Annabelle inspirados na história de uma boneca assombrada investigada pelos demonólogos Ed e Lorraine Warren.
Origem da história
Nos filmes – A boneca de porcelana surge ligada a um culto satânico e a um demônio que se “apega” ao objeto. A narrativa expande a mitologia em Annabelle (2014), Annabelle: A Criação do Mal (2017) e Annabelle 3 (2019), conectando-a ao universo de Invocação do Mal (2013)
Na vida real – A “Annabelle” original é uma Raggedy Ann de pano. Em 1968/69, duas jovens (enfermeiras) relatam pequenos fenômenos: a boneca muda de lugar, muda de posição e aparecem bilhetes escritos “Help me”. Um médium diria que o espírito de uma menina “Annabelle Higgins” pedia aceitação.
A boneca permanece confinada no acervo dos Warren. O caso ganha fama em livros, programas de TV e no boom de filmes de terror “baseados em fatos”. Segundo a tradição do museu, um padre faz bênçãos periódicas no local.
Annabelle vira ícone pop do horror moderno, com trilogia própria e inúmeras citações.
Cinema Lado B
“Plan 9 from Outer Space” (1959), de Ed Wood
Chamado por muitos de “o pior filme de todos os tempos”, Plan 9 from Outer Space é, paradoxalmente, fundamental para entender o terror como campo popular e artesanal. Com orçamento mínimo, atuações irregulares e efeitos caseiros (túmulos de papelão, discos voadores pendurados), Ed Wood revela algo precioso: a persistência do imaginário mesmo quando a indústria falha. O filme virou cult porque evidencia o amor quase infantil pelo fantástico, uma energia que reaparece periodicamente no cinema independente, no “faça você mesmo” e na cultura meme. Plan 9 é um lembrete de que o terror também é comunidade, riso e afeto estranho por obras imperfeitas que se recusam a morrer.
“A Bruxa de Blair” (1999) e o manifesto da câmera tremida
Gravado com orçamento baixíssimo, elenco desconhecido e estratégia de marketing que borrava fronteira entre ficção e realidade, A Bruxa de Blair reorganiza o gênero ao popularizar o found footage (falso documentário de “fitas encontradas”). Sua força não estava em monstros explícitos, porém em três princípios:
- Verdade performada: atuação improvisada e verossimilhança documental.
- Economia de informação: o medo nasce do não visto e do não dito.
- Paratexto poderoso: sites, boatos e materiais “extrafílmicos” criam ecos que prolongam o terror fora da sala.
O impacto cultural abriu caminho para [Rec] (2007) e Atividade Paranormal (2007), além de moldar linguagens de internet (creepypastas, ARGs, mockumentaries) e estratégias de divulgação que hoje são padrão.
Nota brasileira
O Brasil tem tradição particular, do terror marginal e inventivo de José Mojica Marins (Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, 1967) ao horror contemporâneo que dialoga com tensões sociais — do trash criativo ao alegórico, nosso cinema também usa o medo para pensar o país.
Conclusão: O Medo que Nunca Morre
O terror evoluiu, mas sua essência permanece: enfrentar o desconhecido. Cada era encontrou um novo rosto para o medo: monstros, assassinos, alienígenas, traumas. O cinema de terror continua a se reinventar porque o medo, assim como a arte, é infinito.
Seja com gritos, silêncios ou símbolos, o gênero ainda tem muito a nos dizer sobre quem somos, nossos medos e sobre o que mais tememos ser.
por Rodney Borges – Diretor de Cinema/DOP e TV