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A BBC Brasil publicou nesta segunda (06) uma entrevista exclusiva com José Dirceu — exilado político durante a ditadura, um dos fundadores do PT e figura central na construção da máquina partidária que levou Lula ao Planalto. Protagonista dos primeiros oito anos do governo Lula (2003–2010) como articulador e ministro da Casa Civil, Dirceu atravessou condenações e prisões (mensalão e Lava Jato) e retorna hoje à liderança do partido. A conversa, conduzida pela jornalista Marina Rossi, ganhou grande repercussão por um corte em que ele afirma que Jair Bolsonaro não tem condições de ir para a prisão comum.
A seguir, os detalhes desse trecho e outros pontos que movimentaram o debate.
Bolsonaro e prisão
Dirceu diz que Bolsonaro não tem condições de cumprir pena em presídio comum. Ele cita saúde sensível, instabilidade emocional e o risco real dentro do sistema penitenciário brasileiro. Reforça que as condições são péssimas e que presídios são influenciados por facções criminosas, o que aumentaria a vulnerabilidade de um ex-presidente.
Como saída, defende a prisão domiciliar, mencionando o caso Fernando Collor como parâmetro recente. Para Dirceu, colocar Bolsonaro no regime comum seria “muito improvável” e contrário a medidas de proteção que já foram adotadas com outros presos vulneráveis.
Relação com Lula
O ex-ministro nega que Lula esteja isolado. Diz que o presidente mantém interlocução constante com aliados no Congresso e com o empresariado, e que há articulação política ativa no dia a dia.
Dirceu destaca a relação de quatro décadas com Lula. Afirma que se encontram raramente, mas que há confiança e sintonia: quando Lula quer ouvi-lo, convoca. Ele resume essa conexão com a imagem de que “conversam por telepatia” — uma forma de dizer que seguem alinhados mesmo sem encontros frequentes.
Clandestinidade e disciplina
Ao revisitar a própria história, Dirceu detalha a fase de clandestinidade durante a ditadura. Conta que passou por cirurgias plásticas, construiu documentos e inventou um personagem com biografia, sotaque e hábitos para não ser identificado.
Ele sustenta que esse período moldou seu código de disciplina e lealdade. Na sua visão, obedecer regras rígidas e suportar o risco foi condição de sobrevivência — e esse ethos explica posições que mantém hoje, inclusive sobre prisão, segurança e limites éticos na política.
Palocci: emoção e um limite ético
Dirceu se emociona ao falar de Antônio Palocci. Diziam-se quase irmãos, mas romperam quando Palocci partiu para delação premiada em 2018.
Ele crava um limite pessoal: não faria delação. Afirma que preferiria não aceitar esse caminho, em respeito à memória de companheiros que enfrentaram prisões sem delatar. Ao mesmo tempo, evita atacar Palocci com dureza: diz não julgar as condições pessoais que levaram o ex-ministro a delatar.
Valdemar Costa Neto: elogio ao adversário
Surpreende o tom ao falar de Valdemar Costa Neto. Para Dirceu, ele é o “político mais hábil da direita” e “um dos quadros mais qualificados”.
O reconhecimento tem leitura política: sinaliza que o PL é um adversário organizado, com comando e capilaridade. É também um recado para a esquerda: subestimar o outro lado custa caro, especialmente em São Paulo e nas disputas proporcionais.
Eleições 2026
Dirceu afirma que pretende concorrer a deputado federal por São Paulo em 2026, a pedido de Lula. Ele apresenta essa volta às urnas como um gesto de “justiça” e “reparação” após prisões que considera injustas.
Segundo ele, o apelo para disputar tem peso político: testar forças do PT em São Paulo, principal colégio eleitoral do país, e traduzir sua trajetória em propostas para o próximo ciclo. Não é um anúncio formal, mas a intenção está colocada.
Ao tratar do tabuleiro paulista, Dirceu cita Haddad, Boulos, Marina e Tabata como possíveis nomes ao Senado. Ele lembra que São Paulo é disputa dura para o PT e que o campo governista precisa montar chapa competitiva.
Para a Presidência, é taxativo: a “chapa ideal” é Lula com Geraldo Alckmin. No entendimento de Dirceu, essa dupla amplia o governo e ajuda a estabilizar apoios no Congresso e na sociedade.
Economia e Congresso
Na economia, Dirceu defende reforma tributária alinhada a padrões internacionais e o combate à concentração de renda. Critica juros altos, que, segundo ele, estrangulam a capacidade de crescimento e tornam a dívida insustentável.
Aponta ainda o peso das emendas parlamentares como um problema grave do sistema político: elas desequilibram a disputa eleitoral, distorcem prioridades e concentram poder em gabinetes, com suspeitas de mau uso e ineficiência.
Evangélicos e juventude
Dirceu rejeita a ideia de que os evangélicos formem um bloco único e fechado à esquerda. Diz que uma parcela vota em Lula e que há renovação geracional nesse público.
Ele fala também de uma “rebelião silenciosa” entre os jovens. Esse grupo, na visão dele, quer mudar a jornada de trabalho, melhorar salários e ter proteção social — temas que podem reabrir diálogo com trabalhadores de aplicativos e setores de serviços.
A entrevista completa está no site da BBC News Brasil.