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A notícia que ganha repercussão hoje é devastadora: bebidas adulteradas com metanol estão matando, deixando vítimas cegas e outras em estado grave nos hospitais. Mas esse é apenas o brinde envenenado de uma indústria clandestina muito maior, que há anos atua para falsificar e adulterar produtos básicos do consumo brasileiro.
O mais grave é que não se trata apenas de bebida alcoólica vendida ilegalmente em garrafas reutilizadas. As operações policiais mostram um cenário de horror: carne podre reaproveitada, leite azedo “transformado” em fresco, café esticado com cascas e impurezas, arroz e feijão reembalados em pacotes falsos, azeite “premium” misturado com óleo de soja, até mel e suplementos com fórmulas alteradas. Tudo isso circula nas prateleiras e chega à mesa de milhões de brasileiros.
Carne Fraca: o escândalo que abalou a confiança
Em 2017, a Operação Carne Fraca revelou como frigoríficos de grande porte liberavam carne estragada, misturada a produtos químicos e corantes para disfarçar odor e cor, muitas vezes com a conivência de fiscais do Ministério da Agricultura. A investigação mostrou não apenas a ousadia das quadrilhas, mas também o envolvimento de agentes públicos em um esquema de propinas. A imagem do Brasil como potência mundial de proteína animal foi manchada, e o consumidor descobriu que até o churrasco de domingo podia estar contaminado.
O Mago do Leite e a Operação Leite Compensado
Quatro anos antes, em 2013, o Rio Grande do Sul conheceu a história macabra do “Mago do Leite”. Esse químico foi preso na Operação Leite Compensado, que desvendou o uso de soda cáustica, ureia e água oxigenada para disfarçar leite azedo e reintroduzi-lo no mercado. Mais de 100 milhões de litros de leite foram investigados. O caso virou símbolo da crueldade dos adulteradores: mexiam com o alimento básico de milhões de famílias, inclusive crianças, colocando a saúde de gerações em risco.
Café adulterado: a Operação Cafake
Em 2018, o Ministério Público de São Paulo revelou o que chamou de Operação Cafake. O pó que o brasileiro colocava no coador muitas vezes era mais do que café: restos de cascas, milho torrado, cevada e até outros resíduos eram misturados e embalados como se fossem grãos puros. O resultado era um produto de menor qualidade, vendido a preço de café tradicional. A investigação terminou com apreensões em armazéns e fábricas, expondo que até o “cafezinho” de cada dia não estava livre da fraude.
O arroz e feijão falsos na prateleira
Mais recentemente, em 2024, uma fiscalização do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) no interior de São Paulo apreendeu 32 toneladas de arroz e feijão. O laudo comprovou a chamada “disparidade de tipo”: pacotes rotulados como “tipo 1” escondiam grãos de qualidade inferior. Só nessa operação, mais de 13 mil pacotes foram retirados de circulação em Araraquara e Ribeirão Preto. Era o retrato fiel do crime entrando na cesta básica do brasileiro.
Bebidas adulteradas: o brinde da morte
Em 2025, o terror veio das garrafas. Mais de 7 mil unidades de bebidas adulteradas com metanol foram apreendidas em São Paulo. O resultado foi trágico: ao menos duas mortes confirmadas, dezenas de pessoas intoxicadas e casos de cegueira irreversível. O Ministério da Saúde contabilizou oficialmente mais de 100 registros de intoxicação por metanol em todo o país. Quadrilhas usavam álcool industrial ou higienizavam garrafas reutilizadas com metanol, deixando resquícios que envenenaram consumidores.
Azeite, mel, pescados e manteiga: luxo adulterado
Produtos que simbolizam qualidade também foram alvo. Fiscalizações já encontraram azeites “extra-virgem” que, na verdade, eram misturas de óleo de soja e corantes. No mel, operações estaduais revelaram misturas de xarope de milho e açúcar rotulados como “orgânicos”. Em 2014, a Operação Poseidon, em Santa Catarina, flagrou pescados baratos vendidos como espécies nobres — outro golpe direto na mesa. Até manteiga e requeijão tiveram casos de substituição de gordura animal por vegetal, com selos de inspeção falsificados.
Suplementos e cigarros: risco escondido
No mercado fitness, cápsulas e pós vendidos como suplementos naturais foram flagrados em fábricas clandestinas contendo anabolizantes e estimulantes proibidos. Já no cigarro, a adulteração ocorre na mistura de folhas de baixa qualidade, resíduos e até substâncias tóxicas, embalados como se fossem marcas conhecidas. Operações policiais em diferentes estados já apreenderam milhões de maços ilegais.
Um problema sem fim
Essas operações — Carne Fraca, Leite Compensado, Cafake, Poseidon e tantas outras — expõem a dimensão de um mercado criminoso que não distingue classe social. Do leite da criança à cerveja do fim de semana, do café do trabalhador ao azeite da mesa de jantar, tudo pode estar adulterado.
O consumidor, no fim da cadeia, é quem paga a conta, muitas vezes com a própria saúde. Preço muito baixo, embalagens mal impressas, rótulos duvidosos ou cheiro estranho são sinais de alerta. Mas a verdade é dura: só fiscalização intensa e punições exemplares podem frear uma indústria clandestina que insiste em transformar necessidade básica em veneno.