Publicidade
foto dominique livre 26 09 25
Getting your Trinity Audio player ready...

Depois de mais de três décadas atrás das grades, Dominique Cristina Scharf, de 65 anos, voltou a ganhar a liberdade. Conhecida como a maior estelionatária do país, ela deixou a Penitenciária Feminina de Tremembé no início de setembro de 2025, após cumprir 32 anos de prisão. A libertação ocorreu porque atingiu o tempo necessário para migrar ao regime aberto, mesmo somando quase seis décadas de condenações. Sua saída marca o fim de um dos capítulos mais longos e curiosos da crônica policial brasileira.

Infância de luxo, vida de crimes

Nascida em São Paulo, em 1960, Dominique cresceu em uma família de classe alta, filha de pai americano e mãe alemã. Estudou em colégios de elite e teve acesso a uma vida de conforto e privilégios. Ainda jovem, porém, começou a praticar pequenos furtos dentro de casa e em lojas. Com a morte do pai e o afastamento da mãe, mergulhou definitivamente no mundo do crime.

Em 1981, aos 21 anos, foi presa pela primeira vez. A partir daí, iniciou uma rotina marcada por golpes cada vez mais sofisticados, uso de identidades falsas e documentos forjados, o que lhe rendeu a fama de especialista em estelionato e fraudes financeiras.

Golpes que chocaram o país

Nos anos 1990, Dominique já acumulava dezenas de inquéritos. Entre seus crimes estavam a falsificação de cheques, venda de joias falsas, uso de documentos falsos e furtos. Ela também aplicava os chamados “golpes do amor”: envolvia-se com homens casados, registrava imagens comprometedoras e depois exigia altas quantias para não expor as vítimas.

Outra marca registrada eram as fraudes em hotéis e restaurantes de luxo. Dominique se hospedava em suítes caras, consumia pratos sofisticados e bebidas importadas e saía sem pagar. Em alguns casos, colocava uma barata no prato para alegar problemas e evitar a conta.

Com o tempo, entrou em esquemas ainda mais perigosos, como tráfico de armas e clonagem de veículos, atuando em quadrilhas que roubavam carros em São Paulo e os enviavam para o Paraguai, de onde retornavam adulterados.

A tentativa de homicídio e a pena pesada

O episódio mais grave ocorreu em 2003. Durante um golpe contra um vendedor de joias, Dominique disparou contra a vítima ao ser perseguida. O caso foi levado ao Tribunal do Júri, onde ela foi condenada a 12 anos por tentativa de homicídio.

“Gosto sempre de deixar claro que nunca matei uma mosca. O vendedor de joias não se feriu”, afirmou.

Ao longo dos anos, suas penas se acumularam até quase 58 anos de condenação. Em 2016, o Departamento de Execuções Criminais precisou unificar 20 processos de execução penal em um único documento para organizar o cumprimento da pena.

Fugas e confusão na Justiça

Dominique também protagonizou fugas ousadas. No Carandiru, usou um alicate para cortar o alambrado e tentou escapar com outra detenta, mas foi recapturada ao atravessar um córrego. Em Ribeirão Preto, escalou uma armação de madeira usada em uma plantação de maracujá e pulou um muro de seis metros.

Essas tentativas de fuga foram classificadas como faltas graves e prolongaram sua permanência na prisão. Em 2023, já cansada, Dominique enviou uma carta à Justiça reclamando da falta de clareza sobre quanto tempo ainda teria que cumprir:

“Não é justo que nem a juíza saiba quanto tempo eu tenho para ficar presa”.

A vida em Tremembé

Durante o longo período em Tremembé, construiu a imagem de uma figura contraditória. Para algumas colegas de cela, era quase uma lenda, alguém que desafiava o sistema. Para investigadores, um exemplo da reincidência e da dificuldade do Estado em lidar com condenações múltiplas.

Ela própria alternava entre romantizar sua trajetória e demonstrar arrependimento:

“Nunca me senti parte da população de Tremembé. Lá tem muitas assassinas, pedófilas e estupradoras. Não tenho nenhuma afinidade com esse tipo de crime”.

Fora da cadeia: planos e tentações

Agora em liberdade, Dominique já pensa em recomeçar. Sua ideia é montar uma confecção de tricôs feitos à mão, transformando a atividade aprendida na prisão em uma marca autoral.

Apesar de afirmar que não pretende voltar ao crime — “Estou velha demais para isso e não quero morrer na cadeia” —, admite sentir tentações ao ver oportunidades de golpe. “Quando vejo alguém descuidado, deixando o carro com a chave na ignição ou exibindo relógios caros, penso no que faria no passado. Mas fico só no pensamento”, revelou em entrevista.

Seu maior sonho, segundo ela, é visitar a família que mora na Austrália e, quem sabe, começar uma nova vida longe do Brasil.

Destaques ISN

Relacionadas

Menu