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Nesta segunda-feira (15), a segurança pública paulista perdeu uma de suas maiores referências no combate ao crime organizado. O ex-delegado-geral de São Paulo e então secretário de Administração de Praia Grande, Ruy Ferraz Fontes, foi executado a tiros na Avenida Roberto de Almeida Vinhas, no bairro Nova Mirim, em Praia Grande. O crime ocorreu no início da noite, quando homens armados desceram de outro veículo e dispararam diversas vezes contra o carro em que ele estava. Após ser atingido, Fontes perdeu o controle do automóvel, que capotou e colidiu próximo ao Fórum da cidade. O Samu foi acionado, mas a morte foi constatada no local.
A execução gerou imediata comoção e uma reação em peso das forças de segurança. Fontes não era apenas mais um secretário municipal: ele era um nome histórico da Polícia Civil, cuja trajetória ficou marcada pelo enfrentamento direto a uma das maiores facções criminosas das Américas — o Primeiro Comando da Capital (PCC). Impossível desmembrar a morte de ontem da sua atuação implacável contra a facção.
A lista da morte de 2019
O embate de Ruy Ferraz com o PCC não é novo. Em agosto de 2019, o Ministério Público de São Paulo revelou que a alta cúpula da facção havia elaborado uma lista de execuções. Segundo a denúncia, Marcola, principal líder do PCC, junto de outros chefes encarcerados, teria ordenado a morte de três integrantes da Polícia Civil de São Paulo. Entre os alvos, estava justamente o então delegado-geral Ruy Ferraz Fontes.
A denúncia surgiu logo após a transferência de Marcola e outros 21 líderes do PCC para presídios federais de segurança máxima, uma medida considerada estratégica para enfraquecer a comunicação do grupo dentro de São Paulo. A decisão atingia em cheio o núcleo duro da facção, e Fontes, na época no comando da Polícia Civil, foi visto como um dos responsáveis diretos por fragilizar a facção.
Por que ele entrou na lista do PCC?
Para entender o ódio do PCC contra Ruy Ferraz, é preciso olhar para trás. Fontes construiu, ao longo de mais de 40 anos de carreira, uma imagem de especialista em crime organizado. Ainda no início dos anos 2000, ele foi um dos primeiros a mapear a hierarquia da facção, criando organogramas que detalhavam como a liderança se comunicava e quais eram os papéis de cada integrante. Essa investigação de inteligência ajudou a Polícia Civil e o governo paulista a compreenderem o verdadeiro alcance do PCC.
Em 2006, Fontes deu um passo ainda mais ousado: indiciou toda a cúpula da facção, incluindo Marcola. Foi um marco para a história da segurança pública paulista. O ato colocou no papel o que já se sabia nos bastidores — que o PCC não era um grupo desorganizado de presos violentos, mas sim uma organização criminosa estruturada, com liderança clara e metas definidas. Esse reconhecimento permitiu que o Estado adotasse medidas mais duras de contenção, incluindo transferências de presos para presídios de segurança máxima.
Com isso, Ruy Ferraz se consolidou como “inimigo número 1” da facção dentro da Polícia Civil. Era o delegado que não apenas investigava, mas também apontava diretamente os líderes e enfraquecia as engrenagens do PCC.
Linha do tempo de confronto
Início dos anos 2000 – Fontes coordena investigações que revelam a estrutura hierárquica do PCC.
2006 – Indicia a cúpula da facção, incluindo Marcola.
2019 – Assume como delegado-geral da Polícia Civil de SP no governo João Doria. Nesse período, coordena ações que resultam em operações contra o crime organizado e apoia a transferência de líderes para o sistema federal.
2019 (ago.) – O MP-SP denuncia que Marcola e outros líderes planejaram sua execução e de outros dois policiais civis.
2023 (jan.) – Após deixar o cargo de delegado-geral, assume como secretário de Administração de Praia Grande.
2025 (set.) – É assassinado em Praia Grande, em circunstâncias que ainda estão sob investigação.
Referência na segurança pública
Ruy Ferraz Fontes deixou de ser apenas um investigador. Ao longo dos anos, tornou-se referência para toda a segurança pública no Brasil. Em cargos de confiança e liderança, orientou operações estratégicas, treinou gerações de policiais e mostrou como enfrentar o PCC exigia inteligência e disciplina, não apenas força.
Sua aposentadoria da Polícia Civil, em 2023, não significou afastamento da vida pública. Ele assumiu imediatamente a Secretaria de Administração de Praia Grande, cidade onde passou a viver e onde, paradoxalmente, teria a vida interrompida de forma violenta.
As investigações sobre a execução
A execução de Fontes levantou de imediato a suspeita de que o crime tivesse ligação com seu histórico de enfrentamento ao PCC. No entanto, até o momento, as autoridades não confirmaram a motivação oficial. O governo do Estado de São Paulo enviou reforço policial para a Baixada Santista, enquanto a Polícia Civil e o Ministério Público investigam o caso com prioridade máxima.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo destacou que todas as hipóteses estão sendo consideradas e que a morte de Ruy Ferraz será investigada “com o rigor que sua trajetória merece”.