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posse nepal 15 09 25
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O Nepal entrou para a história em setembro de 2025 ao ver Sushila Karki, ex-chefe da Suprema Corte, assumir como primeira-ministra interina e primeira mulher a chefiar o governo do país. Mais do que um marco de gênero, sua chegada ao poder também inaugurou um experimento inédito: a escolha foi impulsionada por debates e enquetes no Discord, em meio à crise política e aos protestos da chamada Geração Z.

Com o Parlamento dissolvido após a renúncia do premiê K. P. Sharma Oli, não havia instância legislativa capaz de indicar um novo chefe de governo. Coube à Presidência formalizar a nomeação de Karki, aceitando a pressão popular das ruas e do ambiente digital como substituto informal do processo parlamentar.

Com mandato interino de seis meses, Sushila Karki não entra para permanecer no poder, mas para acalmar o país e conduzi-lo até as eleições gerais marcadas para março de 2026. Sua missão é reduzir a tensão social e oferecer estabilidade temporária, até que um novo Parlamento seja eleito. O experimento mostrou o potencial de mobilizar milhares de cidadãos em tempo real, mas também expôs riscos de manipulação e exclusão.

Como funcionou a “eleição pelo celular”

O movimento foi organizado pelo grupo Hami Nepal, que reúne mais de 160 mil membros em servidores de Discord. Em uma noite de debates transmitida para 10 mil pessoas ao vivo — com espelho no YouTube acompanhado por outras 6 mil —, foram apresentados cinco nomes. Após horas de deliberação, Sushila Karki emergiu como favorita em enquetes digitais e acabou oficializada como a candidata de consenso.

Não se tratou, no entanto, de uma eleição oficial. Não houve verificação de identidade, auditoria ou registro estatal. Ainda assim, a mobilização ganhou força porque refletia as demandas que incendiavam as ruas: combate à corrupção, renovação da política e rejeição ao controle das redes sociais pelo governo.

Confiança e limites

Especialistas apontam que o processo digital deu agilidade e visibilidade às deliberações, mas também expôs fragilidades. Qualquer pessoa com acesso à plataforma poderia participar, inclusive de fora do Nepal, e múltiplas contas podiam ser criadas. Além disso, populações de áreas remotas ou sem acesso estável à internet ficaram de fora.

Na prática, o voto pelo celular não substituiu o sufrágio nacional — em 2022, por exemplo, quase 18 milhões de eleitores estavam registrados, e mais de 11 milhões compareceram às urnas. O que o experimento fez foi pressionar o sistema político e oferecer ao presidente uma saída de transição.

Quem é Sushila Karki

Aos 73 anos, Karki já havia quebrado barreiras ao se tornar a primeira mulher a presidir a Suprema Corte, entre 2016 e 2017. Formada em Ciência Política e Direito, construiu reputação de independência e combate à corrupção. Seu histórico no Judiciário foi decisivo para ser vista como nome capaz de liderar o país num momento de instabilidade.

O peso da violência

O caminho até sua posse foi marcado por forte repressão. Desde o início dos protestos, em 8 de setembro, mais de 70 pessoas morreram e mais de duas mil ficaram feridas em confrontos com as forças de segurança. O Parlamento e prédios públicos foram incendiados, e residências de líderes políticos tradicionais foram atacadas.

O episódio mais dramático ocorreu na casa do ex-primeiro-ministro Jhalanath Khanal, incendiada por manifestantes. Sua esposa, Rajyalaxmi Chitrakar, sofreu queimaduras graves e morreu dias depois no hospital, segundo familiares e imprensa local.

Críticas e apoio popular

Apesar do entusiasmo dos jovens, a experiência digital gerou críticas. Analistas e opositores alertaram para a falta de legitimidade e segurança do método, lembrando que não havia garantia de que todos os participantes eram nepaleses. Outros apontaram a exclusão digital de populações sem acesso à internet.

Por outro lado, nas ruas e nas redes sociais, muitos viram o processo como uma vitória da cidadania e um símbolo de mudança. Para uma geração que cresceu conectada, a possibilidade de influenciar diretamente o destino do país foi celebrada como histórica.

Reconhecimento internacional

A experiência despertou atenção global. O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, parabenizou Karki e prometeu cooperação. A Embaixada dos EUA em Katmandu declarou estar pronta para trabalhar com o governo interino, enquanto a China também emitiu felicitações oficiais. Já a União Europeia foi mais cautelosa: elogiou a transição pacífica, mas concentrou suas declarações em pedir investigações sobre a violência dos protestos.

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